GRÃO DE MALÍCIA

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Miramar, Norte, Portugal
GRÃO DE MALÍCIA … poemas escritos de desejos e divagações... onde está a poetisa... que vai escrever os poemas memórias de sentidos tidos… onde está a poetisa...que escreve poemas, nua ao pé da cama, que os interrompe para beber inspiração? … sou apenas quem está mesmo por detrás de ti... com a boca colada ao teu ouvido, segredando-te pequenas coisas que tu sentes...de olhos fechados. ana barbara sanantonio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MUSA RENASCENTISTA



Entraram na casa como dois desconhecidos. O jantar tinha sido brevemente acompanhado por uma longa conversa sobre banalidades de um norte à deriva, e o bacalhau seduzido pelos coentros numa cama de bechamel dentro da carcaça húmida de pão saloio, faltando-lhes um bom vinho tinto, foi-se esvaziando nos pratos, quase sem ser saboreado, apetecia-lhe dizer: - Acaba isso depressa, que a cama nos espera! - mas como estava tudo a ser uma surpresa, deixou-se levar pelo destino sem pressas, sem loucas promessas a perturbarem o andamento desse encontro. A noite morna findou com um chá acompanhado de sorrisos, olhares tímidos, corpos trémulos, hesitações, um misto de ansiedade e medo a contrariar todo aquele ímpeto passo até ao desconhecido, lavrando o tempo de espera inocente, foram abrindo caminhos silenciosos até ao âmago do leito sensual que os desejava. Queriam que fosse tudo perfeito. Uma só alma habitando dois corpos que se queriam unidos e desejados, orbitando no cosmos da sedução, rendidos à quimica sexual da paixão, partilhavam agora a possibilidade de se unirem num só, se incendiarem de desejo tal a combustão da sua pele ardente, no escuro do quarto deixaram cair as vestes e transformaram-se numa única sombra talhada pelo luar, quase lua cheia, duas meias-luas esculpidas de negro silhuetas deitadas sobre a brancura dos lençois, num terramoto emocional, completamente excitados, contorcendo-se abandonados a beijos, submissos a carícias, dominados pelo êxtase do prazer mútuo, conduzindo a profundidade e a intensidade daquele momento numa intimidade e envolvência sem limites. O choque dos dois corpos deu-se a uma velocidade luz infindável, nus e intermináveis, fulminou-lhes a pele abrasada pela espera, ardendo lava incandescente nos seus lábios refrescados por um beijo profuso, nemoroso por todas as partes erógenas, começaram o jogo erótico da dança dos sete véus com as suas línguas a saborearem-se na doçura húmida das suas bocas, a roçarem o gume dental procurando amaciarem a aspereza do verme rubro e lânguido numa sucção demorada de prazeria e ternura. Ela entregou-lhe os seus seios montanhosos, de escarpas pontiagudas, ávidos de beijos violentos e ofegantes nas carícias quentes das suas mãos, beijando os seus olhos, as suas faces, acariaciando-lhe os seus cabelos deixou-o ir, escorregando pela sua pele a queimar de desejo por ele, abandonada nas mãos daquele desconhecido, de encontro à flor do seu corpo. Deixaram de se falar por algum tempo. Na misteriosa inquietude da lembrança desse momento, Bárbara tentava lembrar-se dos pormenores íntimos do instante de amor e paixão, algures na casa de um homem estranho, sentindo-o como um Kafka pervertido que deixava o anonimato dos seus secretos desejos de intimidade e se voltava para as experiências de encaixe de falo e vulva , que apenas a seduzira para o leito da sua toca, e agora a abandonava voltando a ser tudo como dantes. Queria recordar esses momentos que a tiraram de um jejum sexual de há décadas e a fizeram sentir de novo mulher desejada, querida, tida por atracção e sensualidade, até talvez amada, mesmo que tivesse sido apenas por um milésimo de segundo, sem dúvida ela fora feliz. Mas uma insatisfação saudosa inundava-lhe a alma e demorava-se em si como um lago cheio de águas profundas e escuras, entre escarpas montanhosas de difícil acesso, ela olhava o líquido turbo bem ao fundo do seu interior, sentindo-se cheia, quase a transvazar, corria-lhe um fio de lágrimas que lhe sabia a sal amargo de mágoas por digerir, teimosamente sem ela querer, abria-se-lhe dentro aquele descontentamento intenso de vida que a levara a procurar sentir-se de novo mulher. Entrou na loja de antiguidades e uma musa branca, imaculada, nua, perfeita, esculturalmente elegante, escondendo a sua nudez no jeito da sua pose sentada, braços cruzados à frente do peito escondendo os seios, pernas cruzadas escondendo o seu sexo, de finos traços orientais, cabelo longo apanhado e escorrendo pelo ombro, os braços apoiados sobre os joelhos levando as mãos encostadas ao rosto num jeito pensativo, chamou-a, sussurrando-lhe ao ouvido da sua alma disse-lhe para a levar até ele. Ela nem se preocupou em saber o preço. Pegou na estátua de mulher porcelânica, e levou-a consigo, dentro de uma caixa forrada de tecido rosa, com a tampa decorada com rosáceas de croché e lantejoulas coloridas e brilhantes, sobre um tapete lilás de finas flores em arabescos bordados, tendo vindo de Inglaterra, imaginou a verdadeira musa modelo em carne e osso que inspirou aquela figura de perfeição, aquela jovem oriental de rosto tão belo, que deusa deleitou o olhar do escultor a retratar assim o feminino, numa magia de linhas tão sensuais e provocantes. Guardou consigo aquela caixa onde estava escondida a diva oriental, e pensativamente lembrou que se passariam muitos anos até que tivesse a oportunidade de a entregar ao seu verdadeiro dono. Estava escrito que depois do encontro após a excitação fulminante em que se mantiveram alguns dias, da atracção sexual, do consentimento da paixão, se seguiria a separação. Apartados os corpos só as mentes se comunicariam no silêncio da suas vidas, num abandono almico e almejante, envolvidas tântrica as suas mentes, separados pela posse dessa estátua alva, de alabastro esplendorosa, que talvez significasse a perfeição de dois corpos unidos numa só alma.

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