GRÃO DE MALÍCIA

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Miramar, Norte, Portugal
GRÃO DE MALÍCIA … poemas escritos de desejos e divagações... onde está a poetisa... que vai escrever os poemas memórias de sentidos tidos… onde está a poetisa...que escreve poemas, nua ao pé da cama, que os interrompe para beber inspiração? … sou apenas quem está mesmo por detrás de ti... com a boca colada ao teu ouvido, segredando-te pequenas coisas que tu sentes...de olhos fechados. ana barbara sanantonio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MUSA RENASCENTISTA



A musa desceu a rua indo ao encontro do seu pintor francês. Só ele a retratava na tela crua num esboço a nu, deixando escorregar o carvão no imaculado prestes a explodir de formas, imaginava as suas linhas sensuais sem sequer despi-la, apenas visionada pelos olhos da alma, enquanto ela se posicionava na chaise longue, o seu olhar envolvia-a numa ligação mente-corpo através de Pranayama, a sua respiração ofegava, executava na tela ardente de Asanas, posturas de relaxamento e meditação, desequilibrando todo o seu estado espiritual, harmonizava riscos ancestrais de tranquilidade e sensações de orgasmos interiores que o possuíam pelo lápis rasgando indómito traços violentos de um corpo que jamais escravizara pelo olhar sôfrego enfeitiçado.
Era ela sem dúvida o seu modelo de pintura. Tão bela e sensual, subtileza primitiva ressaltando suas curvas renascentistas, acossada pelo pintor dominado de instintos inglórios, deitada em pose de lado, o corpo oferecido à sua frente elevando seus seios de adolescente, joelhos quase flectidos, o seu braço direito procurando os seus cabelos, a luz ténue do dia espartilhada pelo chão sombreando linhas, fazendo brilhar o sol doirado no interior do estúdio, a sua mão envolvida em seus caracóis loiros, o azul do seu olhar fulminando a tela viva de negro, o seu corpo resguardando nudez, apenas exposta a alma às cores imaginadas, olhares rompendo impedimentos como se fronteiras fossem abertas entre os dois, fazendo emergir do silêncio peniano a bandeira parnasiana, pugnando delicadeza e perfeição de molde pungente no cimo do rochedo onde Apolo e suas musas entoavam poesias exuberantes e aves esvoaçavam suas asas musicando a brisa, qual lira em mãos hábeis de mestria e tacto, a humidade nascia, segundo a segundo, torrente escandalosa em seu monte de Vénus, púbico envolvente loiro selvagem clareira em forma de coração. O lápis fordo de cor negra desenhava o branco cheio num esquiço maduro e delicado, enquanto ela se masturbava frente ao pintor possesso em seus gestos de matador, cego de comoção, embrenhava-se na pintura encharcada de desejo numa pluralidade de orgasmos imbuídos de sofreguidão, gemia o seu falo inquieto, grosso erguido combatendo lado a lado com o pincel atrapalhado de tinta, deixando cair manchas leitosas e adocicadas, no preto seda do vestido da musa, e em convulsão se entregava aos seus doces beijos, abandonada a tela, repousava nos braços da sua musa meiga, como entregue nos braços de um anjo, rendia-se ao esplendor da paixão subitamente acometida entre duas almas que se desejavam na encarnação de todos os sentidos, e se davam em carícias prenhes de loucura emulsionante e soberba, numa diurese de excreções repelidas do toque escaldante da sua pele, num renascimento pericial das escolas italianas. Ainda entregue à alienação da sua libido provocante, dedilhava pequeno molusco num vaivém de marés orvalhadas, que entre suspiros arrancados da mordedura do lábio inferior, e o seu semblante eufórico e transtornado, uivava nas mãos do macho copulador, ferida na sua sensibilidade extrema, mágica na performance do seu testamento ordálio, atrevida, consumia-se em suas mãos, sem nunca se deixar penetrar pelo pintor, ousava torturá-lo com o seu olhar de felina de cheiro intenso de cio. A tela caída no chão, arruinada pelo desejo obsidiante nascido na penha de sémen e de fluído vaginal, golpeada pelos passos precipitados do amante atraído ao pecado, jazia de formas e de riscos, de cores no negrume da intenção, desfalecida entre os braços do criador e da musa, imatura surpreendente, ficaria apenas esboço de um corpo jamais riscado pela pena do mentor, na verticalidade de mãos atadas atrás do seu dorso, cabeça pendente e olhos fechados, numa submissão e entrega total de corpo e de alma. Derrotado o pintor deixou-se escorregar do divã, mantendo-se sentado no chão, as mãos apoiadas sobre os joelhos, a sua cabeça aí encostada, frustrado e angustiado, sentia que perderia para sempre a sua obra-prima, se não se contivesse nos seus ímpetos sexuais e deixasse a sua modelo de formas avantajadas, desfrutando das suas fantasias masturbadas entre a tela e os seus dedos, unicamente narcísica, apostila imaginária do seu pensamento, num jogo de cores primárias que humedeciam de sentidos o conhecimento visionário do pintor. A musa continuou deitada, com o rosto encostado ao cabelo do pintor, afagava-o nos seus cabelos suados, cheirando-o no seu cio interrompido, acariciava-se, sussurrava-lhe que o queria, agora que ele se encontrava prostrado, vencido, insatisfeito, desafiava-o, enquanto ele já pensava que não podia desistir e ao mesmo tempo assumia a razão de que aquela mulher musa nunca seria sua, já que a vida tinha deixado de fazer sentido para si, pensava no tempo incauto que passasse depressa e deixasse de o atormentar, gasto entre a derme dos seus gestos afagando sexos excitados, com o poder roubado aos dias que faltavam para que aquele tormento findasse. O pintor e a musa menosprezavam a voz que os alimentava na alma assumida de devaneios e encantos, afirmando a glória que os elevava a um palco mundano de fragilidades humanas, no aliptério onde o pintor ágamo e a musa amazona se esfregavam, um contra o outro, de ânimo leve e sentimental, ungindo-se de leite seminal que os colava eternamente, pele com pele, de amor e paixão e sensualidade física, assim se queriam adormecidos num mesmo leito. A musa deixou-o quieto, mitigando seu desespero, abandonou o estúdio e foi entregar-se nos braços de outro amante, conquistado pelo seu olhar electrizante de cor do mar sereno espelhando luz celestial, e as suas formas de musa renascentista sensual e provocante.

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