GRÃO DE MALÍCIA

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Miramar, Norte, Portugal
GRÃO DE MALÍCIA … poemas escritos de desejos e divagações... onde está a poetisa... que vai escrever os poemas memórias de sentidos tidos… onde está a poetisa...que escreve poemas, nua ao pé da cama, que os interrompe para beber inspiração? … sou apenas quem está mesmo por detrás de ti... com a boca colada ao teu ouvido, segredando-te pequenas coisas que tu sentes...de olhos fechados. ana barbara sanantonio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MUSA RENASCENTISTA



Sem esperar que o telefone tocasse àquela hora da noite, ela ainda hesitou em atender, mas algo dentro de si a atraía para aquele modelo anos 20, pousado sobre a mesinha de cabeceira, em latão e porcelana decorada à mão, ao lado da cama impregnada do seu cheiro, da sua pele branca nua embrulhada nos cetins azul-cobalto salpicado de estrelas de oiro. Bárbara pegou no telefone e atendeu como se estivesse para receber uma notícia inesperada mas desejada, pegou no auscultador macio e dourado, reluzindo por debaixo do colorido abajur Tiffany, disse alô rompendo o silêncio da madrugada, sem ter tido tempo de imaginar quem estaria do outro lado da linha. A voz já esquecida, sussurrando-lhe aquele, ainda te lembras de mim, deixou-a perplexa e incomodada, e mesmo não a reconhecendo de imediato, atreveu-se a acreditar dentro de si que seria o mesmo homem que só tivera uma noite e absurdamente se afastara, deixando-a mergulhada num completo mistério e incompreensão, por tudo o que se passara. - E porque aconteceu? - Foram as suas últimas palavras e o que delas restava na sua memória. Jamais esquecerá aquela inconfidência interrogativa, atirando-lhe uma culpa que ele não merecia, lembrando-lhe o silêncio que a fizera ir longe de mais, em busca de respostas para as quais nunca tivera perguntas, lembrando-lhe o medo que sentira ao tomar consciência da existência daquele homem, ao derrubá-lo como peão no tabuleiro de todas as atracções permitidas, a sua escrita a morder-lhe a curiosidade dentro de si, as suas formas de escrever numa pluralidade de identidades, culto, sincero, maduro, as suas palavras a seduzi-la de insistência, e todo o querer nascente de impaciência a tomar conta do seu ser, a empurrá-la para os braços desse desconhecido. A lembrar-lhe o corpo, o toque da sua pele, o seu cheiro, as suas mãos finas e frias, os seus beijos carregados de doce futilidade e quente banalidade, mas a abarrotar de desejo e de vontade sem dimensão, e todos aqueles longos meses de busca por um olhar que ela não foi capaz de guardar dentro da sua lembrança, porque não o viu, não o olhou, olhos nos olhos, por timidez, não, mas por pressentir que não o teria mais consigo. Guardava o robe chinês de virgem seda negra, que nunca tivera coragem de lavar, cheirando-o de quando em vez, à procura daquele macho estranho e surpreendente, procurando-lhe o seu cheiro a cio e o seu desejo intenso carnal, acariciando as manchas brancas de sémen petrificado na trama preta sedosa brilhante, como se fosse possível ter no tacto daquele momento, toda a virilidade desse desconhecido. Recordava-o pela sensação de nostalgia poderosa intimamente ligada à sua fantasia, no âmago da satisfação e do gozo jamais alcançado no limite dos seus orgasmos, como prova do poder da obscuridade e o dominio conseguido naquela aproximação no escuro, em que toda a sua força de macho copulador ruiu, deixando-a húmida e possuída, numa castração de sentidos, enquanto vazava de si o louco desejo e necessidade da penetração da presa arruinada pela força fantasiada da fêmea dominadora. Atreveu-se a desafiá-lo, advertindo-o de que o preço a pagar para revê-la, seria bem alto, sem o vínculo da vingança, sugeriu-lhe que fosse encontrá-la no mesmo lugar, à mesma hora, onde estiveram unicamente a primeira e a última vez. O quarto 106 da Estalagem estava vazio, e não foi difícil chegar lá, esquecida de todas as memórias do passado, era como se fosse ao encontro de um qualquer cliente disposto a pagar por umas boas horas de sexo e prazer. Ele entrou no quarto às escuras, completamente cego e nu, foi tomado pelas mãos da musa, e os dois afagaram-se nos cabelos, mataram saudades do cheiro de perfume e de after-shave, tocaram as faces cheirando-se e absorvendo-se, mordiscando-se, apenas sentindo-se com as mãos e os lábios, as bocas unidas fundiram-se numa só, as línguas contorcendo-se como serpentes enroladas na profundeza labiríntica dos confins de um ninho de amor, tomaram-se de gosto, trocaram saliva, incontidos abandonaram-se ao ritmo dos corações prestes a explodir, foram aproximando-se, corpos escaldantes e húmidos, ele excitado até ao limite, ela abrindo-se em pétalas desfolhadas de um botão de rosa orvalhado, deixaram-se tocar e acariciar num dilúvio tropical que os inundou de sedução e paixão, forçando-os a roçarem-se pele com pele, a terem-se um pelo outro, completamente enroscados numa pujança de sentidos despertos, agitados a amarem-se na tremura da oralidade do sexo sem tabus, digladiaram-se entregues à erótica dança dos preliminares, para sempre imortalizados numa câmara oculta, captando prazeres excitantes, a rever em tempos vindouros. Apesar de sexo e amor estarem biologicamente ligados, para Bárbara esses encontros eram apenas e objectivamente, para tirar o máximo partido do prazer carnal, e assim ela blindava toda a sua parte emocional de maneira a proteger-se, e essas aventuras poderem ser somente experiências de sexo casual carregadas de erotismo e fantasia. Dominada por uma energia inesgotável, qual odalisca ao serviço do seu sultão, apenas coberta de transparências, recatada nua no seu covil nupcial, sentia-se na obrigação de proporcionar prazer e sentia fascínio pela sedução e atracção sobre um desconhecido, querendo sempre descobrir-lhe os meandros erógenos do seu corpo, cometendo a ousadia de se entregar na rotina por puro prazer, e assim aumentar a sua conta bancária.

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