GRÃO DE MALÍCIA

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Miramar, Norte, Portugal
GRÃO DE MALÍCIA … poemas escritos de desejos e divagações... onde está a poetisa... que vai escrever os poemas memórias de sentidos tidos… onde está a poetisa...que escreve poemas, nua ao pé da cama, que os interrompe para beber inspiração? … sou apenas quem está mesmo por detrás de ti... com a boca colada ao teu ouvido, segredando-te pequenas coisas que tu sentes...de olhos fechados. ana barbara sanantonio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MUSA RENASCENTISTA



Bárbara chegou ao hall do hotel Solverde, rompendo por entre dois mandaretes que a saudaram, suspirando abriram alas para ela passar. Ofuscada com a escuridão do interior da recepção, levava os olhos azuis guardados por lentes castanhas e todo o sol radiante em fios de oiro no loiro dos seus cabelos. Procurou-o no bar, indo encontrá-lo escondido por detrás do biombo chinês retalhado como figurinhas de papel, habilmente trabalhado em filigrana, completamente recostado no cadeirão, o olhar rasgado numa surpresa emocionada, fazendo inveja ao seu sorriso tímido e nervoso, as mãos trémulas sem saber o que fazer, levantou-se, cumprimentou-a, tocadas as faces puderam sentir toda a emoção guardada daqueles dias em que regularmente trocaram sms sorrateiras, tórridas, eróticas, sedutoras, na movida de uma enorme paixão física, atraídos de palavras que os enredaram numa teia sentimental de pouco mais de oito dias, a atracção escaldante a ser quase consumada, pondo em prática todas as promessas que fizeram um ao outro a bem duma saudade estranha e apetecível. Os dois ficaram surpreendidos um com o outro. Para ele, a madonna imaginada, de formas largas, corpo cheio, bem redonda, nada fazia prever aquela loira vulcão que se apresentava diante de si, avantajada sim, mas com contornos sensuais, alta, peito e ancas substanciais, braços e pernas elegantes, rosto iluminado por aqueles olhos electrizantes, roubados ao mar, ao céu, ao luar de todas as constelações, o seu cabelo aos caracóis, sedoso, brilhante, límpido e quente como o sol, e os seus lábios tão comprometedores, quase vermelhos, naturais, rosados em flor por abrir, pedindo o beijo que timidamente não deram. Ela olhou-o sorridente, feliz por finalmente poder conhecê-lo, vê-lo ao vivo, como se os dois já se conhecessem por toda uma eternidade, o tal encontro de almas, o tal chamamento de vidas, o tal sussurro dele - como entro na tua alma? - Sentiu-o de perto, vibrante, pulsante, táctil, a ofegar a ingenuidade daquela aventura sem limites, o seu sorriso por inteiro, aberto, delicioso, malandro, o seu rosto quase ao rubro, explodindo alegria, contentamento, felicidade, como se a sua alma dissesse - era isto que eu queria mas não era isto que eu estava à espera! - Todo ele embriagado por aquela visão a roubar-lhe todos os desejos e fantasias, a concretizar em pleno todo o seu querer, remexendo todo o seu interior, marcando território no todo do seu corpo, sentindo-a acariciar o seu membro laborioso, dando azo à sua imaginação, era sem dúvida uma complementação de almas desencontradas, depois do encontro, a tal paixão física, o abandono, e o reencontro com hora marcada, dia, lugar, tendo mesmo que ter acontecido assim, não sendo possível de outra forma, pois as almas se comunicam num plano superior mental em que tudo é permitido e não há nada que as impeça de se juntarem, seja onde for, como for, com quem for. Falaram de tantas banalidades, ao fresco, na tranquilidade, no sossego, no silêncio, na solidão daquele bar, em pleno Agosto, naquela tarde sem hora, comprometidos um com o outro, esgares de olhares numa volúpia de sensualidade inebriante, toque de mãos a ferver de desejo e paixão, um a querer o outro, corpos a quererem ser resgatados daquela impaciência multívola, a deixarem-se raptar pelas suas almas reencontradas, sem prazo vencido, sem identidades, sem compromissos de vida, apenas dois seres, cada um mais desejado do que o outro, penetradas as suas almas espiritualmente. Os dois falaram de tudo o que não era preciso, debateram ideias, compararam estilos de vida, padrões sociais, remeteram para a mesa diante de si, fragmentos de uma conversa que, tentavam, lhes acalmasse o interior apreensivo e convulsivo, degradante, expectante, perante o facto de não ser mais possível qualquer tema de conversa, que não fosse a totalidade do desejo carnal que os impunha perante a concretização do desconhecimento das suas existências, o real prometimento da sedução a que se tinham votado durante aqueles dias em que trocaram frases eloquentes sobrepunha-se a qualquer tema de diálogo entre si, eram dois seres carnais que conversavam, mas ao mesmo tempo, eram duas almas que num entendimento afectivo e afectuoso se debatiam com a saudade de terem sido apartadas por uma qualquer eventualidade, qual elogio ao tempo, a magnitude da poderosa força espiritual que não tem barreiras nem fronteiras, não tem tempo a contar, não tem nicho onde se aninha, completando todo o universo de momentos luz, criando raízes soltas em todas as memórias por onde passa. Raptou-a e ela deixou-se raptar. Os dois seguiram rumo ao lugar predestinado a concretizarem o reencontro das suas almas, fazendo feedback das suas vidas, foram conduzidos pelo destino atrapalhado com o poder da mente, completamente apanhado de surpresa, esse destino inimaginável aos dois, levava-os por uma estrada carregada de simbolismo, por entre pedras no sopé da montanha mais alta do país, os olhares a perderem-se nas searas estivais, salpicadas de papoilas e outras flores silvestres, o sol a queimar-lhes as mentes subitamente escalpeladas pela teoria dos índios das pradarias americanas, pela posse de um punhado de cabelos tenho-te a alma, ou tenho-te a força pela traição de Dalila contra Sanção, a calmaria daquela tarde sem pressas a levá-los para a toca daquele ímpio desejo partilhado por corpo e alma.

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