GRÃO DE MALÍCIA

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Miramar, Norte, Portugal
GRÃO DE MALÍCIA … poemas escritos de desejos e divagações... onde está a poetisa... que vai escrever os poemas memórias de sentidos tidos… onde está a poetisa...que escreve poemas, nua ao pé da cama, que os interrompe para beber inspiração? … sou apenas quem está mesmo por detrás de ti... com a boca colada ao teu ouvido, segredando-te pequenas coisas que tu sentes...de olhos fechados. ana barbara sanantonio

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MUSA RENASCENTISTA



A musa deslizava pela sua perna direita a meia de vidro preta, com o pé apoiado na beira da cama, subia a meia até à coxa, esticando a liga rendada de Richelieu, ainda envolta na toalha de banho, cheirava a canela misturada com jasmim e um leve toque de almíscar, espalhado de lés a lés pela sua pele, o creme macio e sedoso dava-lhe um toque acetinado, perfumando todo o quarto. Apertou todos os botões de cima para baixo, do seu vestido de lã, preto e fino, vestiu o casaco comprido cor de pérola, e saiu para a rua sem destino certo. Havia cheiros de Outono e frio, misturados com o odor das castanhas assadas no carro de mão reluzente de inox, onde queimavam as brasas e se sentia estalar as cascas do fruto seco, crepitava o fogo incendiado pelo abanador e que uma chuva miudinha tentava apaziguar, amortecendo as chamas com as húmidas gotas que pingavam sem cessar. A Avenida dos Aliados estava quase vazia, era pouco o rebuliço que a agitava, longe de ser um daqueles dias de Verão em que a azáfama de gentes em corrupio se roça de traseiros por todo o lado, se bate de encontro de braços e de sacos, obrigando olhares a se voltarem num silêncio de desculpas inaudito. Nos passeios sente-se o serpentear da locomotiva correndo as entranhas do subsolo, as fachadas dos prédios da avenida cansados de tanta maquilhagem, protegendo os pombos nos nichos bem aquecidos nas suas plumas cinzentas, entre as saliências das pedras e os parapeitos das janelas, oferecem-se abrigos conspurcados de fezes e poeira e gazes, e ouvem-se arrolhar casais protegendo ninhos, e sempre as janelas fechadas impedidas de qualquer corrente de ar. Ela caminhava devagar debaixo do seu guarda-chuva, descendo a avenida, parou perto da estátua do ardina e apoiando-se nele ajeitou a meia no seu sapato. Alguém se acercou dela perguntando-lhe se precisava de ajuda. Olhou-o e viu uma farda azul escura, um rosto sereno e um olhar doce, envolvendo-a de sedução, retirou a sua mão de cima do braço do ardina molhado e peganhento, e aceitou o braço do polícia para se segurar. Ele confidenciou-lhe que estava a acabar o turno. Não conseguindo contrapor de argumentos tal facto, foi caminhando ao lado dele, abrigando-o debaixo do seu guarda-chuva, dirigiu-se com ele para o seu carro estacionado perto da Estação de S. Bento e ele, abrindo-lhe a porta, deixou-a sentar-se, indo de seguida para o lugar do pendura. Já no carro segurou-lhe a mão e disse-lhe que a via muitas vezes por ali, só, passeando na avenida, ao que ela comentou que gostava de andar, sem pressas, olhando os rostos das gentes, sentindo os cheiros e ouvindo os sons, deixando o despovoamento da sua toca e vindo misturar-se com o burburinho citadino do coração da cidade. Os olhos da musa concentraram-se no par de algemas que se encontravam agarradas ao cinto das calças daquele homem da lei, sorriu deliciosamente para si mesma e pensou quão divertido seria algemar um polícia de verdade, colocando bastante malícia nisso. Seguiu para fora da cidade, indo parar num motel perto da costa de Matosinhos, foi entrando com o carro no recinto fechado e discreto do Flamingo Motel, escolheram a suite Paris e entraram de mãos dadas como um casal de apaixonados, sem terem tempo de descobrir os encantos da bela cidade luz, começaram a sentir-se no toque um do outro, embatendo respiração e tacto, foram-se cheirando, roçando de pele, beijando-se sofregamente, despindo com a boca suas vestes, aquecendo o ambiente com o escaldante sentido dos seus corpos, fazendo crescer dentro deles humidade e paixão, abrindo-se de entrega total aos caminhos dos preliminares, começaram a longa caminhada até ao êxtase final. Desejaram-se os dois de sonhos molhados no cetim daqueles lençóis, antes de se entregarem nos braços de Morfeu extenuados de tanta excitação e inspiração de uma libido tântrica. No sumo castigo reservado aos corpos escravos, aprisionados de cordas imaginadas mas livres como pássaros, amordaçados gritando de desejo aos sete ventos, vendados por negra venda de veludo, com olhos de falcão, correram todas as montanhas e vales, planícies e pradarias, como dois seres num só, entranhados um no outro. Ainda que tivesse sido privado do orgasmo durante horas, ela pode sentir o prazer de sua doce existência enquanto mulher fêmea no cio, as mãos atadas algemadas de cordas imaginadas, com a sua pele estimulada milímetro a milímetro, oleada de cheiro a coco ficando quase à beira da loucura e nesse quase auge, ela se solta dessa tortura e pega as verdadeiras algemas, prende as mãos do policia e começa a percorrer seu corpo com a língua molhada, enlouquecendo-o, delirando em tensão sexual, e nesses desesperantes minutos ansiando por um sofrido orgasmo, louco de desejo ele se debate para se soltar e para a possuir sem dó nem piedade até à exaustão carnal, até ao prazer dor suprema, tirado das entranhas da excitação, querendo também possui-la prisioneira, para assim abusar do seu poético corpo e a enlouquecer de luxúria. A musa envolveu suas mãos nos seus cabelos massajando-lhe a nuca, percorreu o seu perfil com a ponta da sua língua molhada, deixando-lhe um beijo no seu duplo olhar, mordeu-lhe o lábio inferior e voltou a mordiscar a sua orelha, deslizando pelo seu pescoço, ouvia-lhe o seu arfar e sentia o seu bafo quente e ardente, deixando ir suas mãos pelo seu peito, apertou-lhe os mamilos, mordeu-os de vontade deixando-os molhados e frios, escorregando seu corpo contra o corpo dele, apenas teve tempo de travar seu caminho e dominar seus instintos selvagens e atrevidos de dominadora. Deixou-a ficar no seu colo no meio dos seus braços, as mãos algemadas, envolvendo-a de beijos doidos, sentindo de novo sua força erguida rígida e estonteante e nessa abraço delirante apertado morreu-lhe um beijo gotejando, qual botão de rosa coberto de gotículas de chuva e ensejo numa humidade apenas de prosa e de desejo. Dominada, dominadora, sentiu-se envolvida por aquele romantismo sensual preenchendo o quarto retratando cenas do quotidiano parisiense numa sofisticação arrebatadora de erotismo à média luz onde se podiam soltar todos os desejos mais escaldantes e serem proporcionados os prazeres mais inesquecíveis e ainda as brincadeiras mais ousadas. Não se pode não degustar aquele império dos sentidos envolto numa luz negra carregada de simbolismo, e não experimentar as mais eloquentes e expressivas posições tanto na cama como na cadeira erótica, assumindo toda a envolvência sexual e selvagem que se desprende nos actos e abuso das palavras em tal obscenidade que provoca os sentidos ao extremo. Os dois nada se prometeram. Saíram para as suas vidas guardando secretamente aquele encontro, cheios de fantasia e satisfação despediram-se sem um adeus nem tão pouco um até breve.

1 comentário:

Anónimo disse...

desconhecia este teu lado de prosa e erotismo... deixa agua na boa ao ler isto.. o toque o promenor da descrição ate me levam a pensar que nao sao trasncrições pessoais.
e que bela prosa para sobremesa.

Fatias